O Rio perdeu ha algumas décadas o posto de capital do país e, ha algum tempo vêm perdendo o posto de capital cultural para SP.
Entretanto, algumas práticas se mantêm enraizadas na alma da cidade. Uma delas é a cultura, em shows e eventos, do
Very
Important
People, os VIP's. No Rio, a maior galera se sente importante, se sente no direito de não pagar porque é amigo de fulaninho ou ciclaninho, acha que merece entrar de graça em eventos seja porque é famoso, porque foi famoso, porque é amigo de politico, artista ou simplesmente porque têm a oportunidade.
Um evento emblemático foi o show do (maravilhoso)
Jon Spencer Blues Explosion na cidade, em 2001, onde haviam mais VIP's que pagantes.
Dentro do underground (que ha algum tempo deixou de ser apenas um espaço de resistência ao hegemonicamente estabelecido), segue-se a tendência. Qualquer pessoa (como eu) que já tenha organizado shows de punk rock, hardcore e afins sabe que sempre - eu repito, SEMPRE - vai haver na porta alguem dizendo que é amigo da banda "x", que "
tem certeza que se falar com o fulano ele libera a entrada" ou pior, entra no esquema que, pensei, estava falido do "malandro carioca": tenta dar "voltas" na pessoa da entrada. Saca, tipo "
só vou olhar lá dentro pra ver se acho meu amigo e volto" ou "
só quero usar o banheiro", etc - a velha lei do Gerson, do "levar vantagem em tudo, certo?". Isso quando o cara não entra no lugar do show e logo em seguida quer sair para consumir no bar mais próximo...e voltar pro show! Haja paciência. Sim, paciência porque em muitos casos, o bar é uma das poucas opções de retorno do evento ou da casa.
Mas o que está em jogo, ao menos dentro do underground? Está no foco que quase sempre, nestes eventos, não há lucro - ou quando há, são bem pequenos. Fazer um evento custa grana - espaço, equipamentos, divulgação - isso pra não falar das bandas que quase nunca recebem um centavo pra tocarem. E que para os eventos seguirem acontecendo dependem do apoio da tal "cena", ou seja: que o público colabore frequentando os shows (óbvio que não apenas desta maneira, mas também).
Entretanto, muita gente segue reclamando de pagar 3 Reais por um show com 4 ou 5 bandas. E cobra: "
evento underground pô, vim prestigiar, mereço entrar de graça". Ok, uma coisa é faltar grana e você tentar o famoso "desenrolo": "
pô camarada, tô apertado, dá pra pagar dois, um real, etc?". Outra é olhar para qualquer um que cobra por um show underground como um potencial explorador-futuro-magnata-da-industria-fonográfica-"capetalista"-filho-da-puta.
E o que está por trás - ou na cara disso? Que muita, mas muita gente se sente superior. Todo mundo, em algum momento, se sente VIP no Rio de Janeiro - e a cena underground não está livre disso. O senso de colaboração, cooperação, solidariedade e "brodagem" que sempre marcaram o underground vão se diluindo com o tempo.
Queria deixar claro que essa não é uma regra geral que se aplica a todo mundo - tem muita gente que rala, tem banda, promove a cena e, uma vez ou outra,
circunstancialmente, merece sim uma reciprocidade de sua colaboração/ participação podendo entrar nos shows dos amigos/ parceiros sem pagar. Mas quando você fica na porta de um evento e grande parte do público reclama/ se nega/ a pagar, alguma coisa tá errada.
E assim cada vez mais os bons shows internacionais vão se afastando da cidade, e ficando restritos ao circuito SP-Curitiba. Uma pena. Para mim e para a maior galera.