quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Tente mudar o amanhã


Certa vez disse, aqui, que musica, pra mim, sempre foi companhia. Algo que está comigo nos bons e maus momentos, algo que me faz relaxar, refletir, extravasar. Algo que está comigo, sempre. E poucas companhias foram tão presentes na minha vida quanto as canções de um trio paulistano chamado Cólera.

Corriam os tardios anos 80 e eu e meu brother Fred éramos (e somos) viciados em Plebe Rude. E um certo dia, em um show no finado Canecão, 2 dos 4 integrantes da banda entram no palco, para o lançamento do album "Nunca fomos tão brasileiros" com camisas da mesma banda: Cólera.

Logo o Fred conseguiu um vinil daquela banda e levou pro colégio. Capa tosca. Som embolado e mal gravado. E letras de pirar qualquer moleque de 14 anos que cresceu em meio a final de Ditadura e início de algo que chamavam de "Nova" República. O disco se chamava "Tente mudar o amanhã". Pronto. A merda tava feita e minha mãe se descabelando.

Éramos tipicos moleques de classe media da zona sul do Rio, cheios de amigos playboys do nosso colegio particular. E naquele momento, em que começávamos a ouvir Ramones e Dead Kennedys, o Cólera falava, em nossa lingua, o que queriamos dizer. E tome de começar a ir de calça rasgada e camisa de banda pintada à mão pro colegio. E tome de começar a entender "que porra é essa de punk". E tome de ouvir "Verde não devaste" e começar a entender o que era meio ambiente, militarismo, etc.

Daquele ano em diante, minha formação intelectual começava a seguir em paralelo com as canções do Cólera. Meus conceitos sobre nacionalismo, autoridade, direitos humanos, meio ambiente, intergeracionalidade, tudo foi sendo forjado e repensado à luz das letras do Redson. Minha entrada pra faculdade de Psicologia em 92 foi indiretamente motivada por letras do Cólera.

Em uma certa noite de 1990 consegui, pela primeira vez, assistir a um show dos caras, no Circo Voador. E até a última vez em que os assisti ao vivo, no mesmo circo voador, mais de 20 anos depois, TODOS os shows do Cólera foram como o primeiro pra mim: camisa suada, garganta rouca, olhos fechados cantando cada silaba de cada musica como se fosse a historia da minha vida. E olha, eu vi pra lá de duas dezenas de shows do Cólera na vida.

E com esses shows a admiração e respeito só aumentaram. O prazer de ver no palco caras fazendo com um tesão e doação únicos aquilo que amavam me fez respeitar ainda mais a sua musica. Em minha dissertação de Mestrado há uma citação de "Em você", do supra citado disco "Tente Mudar o Amanhã". Em meu casamento tocou Cólera. E nunca me dei conta de quantas e quantas vezes a musica de Pierre, Val, Fabio e Redson me fez companhia - entre viagens de ônibus, noites bebendo sozinho ou em terras estrangeiras - como na Colômbia, onde um guri veio falar comigo quando me viu com uma camisa da banda em Bogotá.

O Cólera acabou. O motivo é óbvio. E a vida é assim - como diz mestre Greg Graffin, "everything must cease". Mas a música, essa manifestação única, tem essa qualidade: ela permanece. Ela fica. Os discos deles estão aí e sempre estarão. Entretanto, fato é que nunca mais veremos um show do Cólera.

E isso bateu na minha cabeça com mais força essa semana, quando se aproxima mais um tributo ao Redson, desta vez com a participação dos membros remanescentes - Pierre e Val. E a musica do Cólera fará com que, por uma noite, toda aquela sensação - a camisa suada, a garganta rouca - retornem. Com uma diferença: agora eu estarei no palco, ao lado deles. Tocando com eles. E acho que nunca quis tão pouco não ter que estar em um palco como desta vez.

Tocar ao lado de Pierre e Val, pra mim, com esta trajetória, é uma honra comparável a de um intelectual dividir uma mesa redonda com Milton Santos e Deleuze. Ou um escritor participar de um debate com Eduardo Galeano e Jorge Luis Borges. Mas quando olhar para eles, no palco, e começar a tocar os primeiros acordes, só vou lembrar que está faltando alguém ali.

Valeu aí Redson. Mesmo. Vou nessa, trabalhar, no calor do Rio, hoje velho, casado, com aquela vidinha que aos 18 anos você imagina super quadrada e burguesa. Mas vou ouvindo "Caos Mental Geral" no MP3 player. Como sempre fiz.

E ainda sigo, a meu modo, tentando mudar o amanhã, pela paz em todo mundo, por toda a humanidade, por todas as vidas em geral.