terça-feira, 17 de março de 2009

Underground, Rio de Janeiro e a cultura do V.I.P.

O Rio perdeu ha algumas décadas o posto de capital do país e, ha algum tempo vêm perdendo o posto de capital cultural para SP.

Entretanto, algumas práticas se mantêm enraizadas na alma da cidade. Uma delas é a cultura, em shows e eventos, do Very Important People, os VIP's. No Rio, a maior galera se sente importante, se sente no direito de não pagar porque é amigo de fulaninho ou ciclaninho, acha que merece entrar de graça em eventos seja porque é famoso, porque foi famoso, porque é amigo de politico, artista ou simplesmente porque têm a oportunidade.

Um evento emblemático foi o show do (maravilhoso) Jon Spencer Blues Explosion na cidade, em 2001, onde haviam mais VIP's que pagantes.

Dentro do underground (que ha algum tempo deixou de ser apenas um espaço de resistência ao hegemonicamente estabelecido), segue-se a tendência. Qualquer pessoa (como eu) que já tenha organizado shows de punk rock, hardcore e afins sabe que sempre - eu repito, SEMPRE - vai haver na porta alguem dizendo que é amigo da banda "x", que "tem certeza que se falar com o fulano ele libera a entrada" ou pior, entra no esquema que, pensei, estava falido do "malandro carioca": tenta dar "voltas" na pessoa da entrada. Saca, tipo "só vou olhar lá dentro pra ver se acho meu amigo e volto" ou "só quero usar o banheiro", etc - a velha lei do Gerson, do "levar vantagem em tudo, certo?". Isso quando o cara não entra no lugar do show e logo em seguida quer sair para consumir no bar mais próximo...e voltar pro show! Haja paciência. Sim, paciência porque em muitos casos, o bar é uma das poucas opções de retorno do evento ou da casa.

Mas o que está em jogo, ao menos dentro do underground? Está no foco que quase sempre, nestes eventos, não há lucro - ou quando há, são bem pequenos. Fazer um evento custa grana - espaço, equipamentos, divulgação - isso pra não falar das bandas que quase nunca recebem um centavo pra tocarem. E que para os eventos seguirem acontecendo dependem do apoio da tal "cena", ou seja: que o público colabore frequentando os shows (óbvio que não apenas desta maneira, mas também).

Entretanto, muita gente segue reclamando de pagar 3 Reais por um show com 4 ou 5 bandas. E cobra: "evento underground pô, vim prestigiar, mereço entrar de graça". Ok, uma coisa é faltar grana e você tentar o famoso "desenrolo": "pô camarada, tô apertado, dá pra pagar dois, um real, etc?". Outra é olhar para qualquer um que cobra por um show underground como um potencial explorador-futuro-magnata-da-industria-fonográfica-"capetalista"-filho-da-puta.

E o que está por trás - ou na cara disso? Que muita, mas muita gente se sente superior. Todo mundo, em algum momento, se sente VIP no Rio de Janeiro - e a cena underground não está livre disso. O senso de colaboração, cooperação, solidariedade e "brodagem" que sempre marcaram o underground vão se diluindo com o tempo.

Queria deixar claro que essa não é uma regra geral que se aplica a todo mundo - tem muita gente que rala, tem banda, promove a cena e, uma vez ou outra, circunstancialmente, merece sim uma reciprocidade de sua colaboração/ participação podendo entrar nos shows dos amigos/ parceiros sem pagar. Mas quando você fica na porta de um evento e grande parte do público reclama/ se nega/ a pagar, alguma coisa tá errada.

E assim cada vez mais os bons shows internacionais vão se afastando da cidade, e ficando restritos ao circuito SP-Curitiba. Uma pena. Para mim e para a maior galera.

6 comentários:

  1. Concordo meu caro.
    Os Very Important Peoples ou, como brinco, os Very Important Punk têm se multiplicado, junto com outras formas de burlar a bilheteria e assim curtir um show sem gastar um centavo.
    É uma pena que isso esteja acontecendo porque isso afasta os shows daqui ou os leva para espaços que aí sim, as pessoas pagarão caro para ver uma banda que gostariam e aí vem uma curiosidade, nesses espaços mais caros, as pessoas pagam (!?).
    Vai entender...
    As pessoas ainda não captaram que muitos desses shows em que elas ficam mangueando e burlando a bilheteria, são TOTALMENTE faça-você-mesmo, porque cada ingresso pago é para pagar espaço, som, divulgação e ajudar a banda que vem de fora com transporte.
    Enfim...
    Seguimos em frente, não sei até quando...

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  2. Já ouvi de um amigo, "você quer que eu pague pra ver a sua banda???"

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  3. Oi Alexandrem gostei muito do seu blog e de seus textos! Gostaria que você escutasse o som da minha banda..acho que vai gostar. Sou o guitarrista do Instiga ( www.instiga.com ) e lançamos a pouco tempo um disco chamado "Tenho uma banda" - da pra baixar no site na seção discografia. Da uma ouvida..e se quiser tem um clipe legal pra ver, aqui:
    http://www.youtube.com/watch?v=9Fq7bEemJDo
    abração e siga firme com o blog
    Christian

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  4. É Ti, essa eu já escutei também!
    Deisoca, as coisas andam, e acho que gente como vc ajuda a ter esperanças.
    Christian, valeu pela força!! Vou conferir o Instiga.
    abraço

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  5. Que o tal "malandro" tente correr atrás de um ingresso pra ver o Iron Maiden, caríssimo, é uma coisa... mas tentar dar "jeitinho" pra entrar num show de quem tá começando, aí é sacanagem.

    É como a questão do ingresso no Maraca. Eu, nos últimos 14 anos, podia não ter pago um único. Mas paguei todos porque acho o correto (ok, e porque não abro mão de ir com o manto, coisa que não posso entrando como imprensa...)

    Morte a qualquer VIP que não seja a revista!

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  6. Olá Sr, Alexandre Bolinho. Achei este seu blog por acaso, numa das minhas buscas sem esperança pelo google que algum site ou alguem que estivesse falando do undergroun. Eu venho realizando um trabalho nesse sentido, é a tentativa de elaborar um verdadeiro estudo sobre a cultura underground. Eu ainda estou numa fase embrionária da minha pesquisa, mas eu já posso te dizer que muita coisa mudou, e que o under está em transfomação constante. Concordo que tudo que você disse acontece, mas acontece que as relações entre público e banda, banda e produção e produção e público mudaram, então é preciso mudar também a forma de pensarmos o undergroud.
    Eu também não acho justo que quem produz o evento saia no prejuízo, mas também não acho justo que uma banda pague pra tocar.

    Enfim... são tantas coisas. Faço o convite a visitar meu blog, que é onde eu publico boa parte desses estudos.
    rockalogy.blogspot.com

    Natália Ribeiro

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